terça-feira, 3 de agosto de 2010

Compreendendo o olhar Psicológico sobre o Suicídio.

Na difícil e complexa concepção do existir enquanto pessoas, humanos pela espécie, humanos pela afetividade, humanos pela racionalidade e pela consciência, quão difícil é conceber-nos como indivíduos responsáveis pela vida, enquanto que a maioria de nós aborta essa responsabilidade da consciência. Humanos, principalmente pela forma de aliernarmos o que é real, o que é irreal, o que é concreto e o que é abstrato. Alienação que perpassa pelo desejo de cada indivíduo, ser este capaz de manipular os próprios desejos e sobretudo de não entender a si próprio, de desconhecer a si próprio. Quem somos nós?

Seres capazes e incapazes... Geramos vida, mas damos fim à própria vida...

Qual a angústia do viver capaz de levar um sujeito a destruir a própria existência?

Quantos anos ainda buscaremos respostas para a auto-eliminação?

Algo deve ser feito...

Uma das questões mais presentes na vida é a idéia da morte. Vivemos em um mundo de dúvidas, onde nossa única certeza empírica é que um dia morreremos. A morte revela ao ser humano sua fragilidade, sua impotência frente aos processos da natureza.
Para entender e para lidar com a morte algumas pessoas partem de princípios científicos, religiosos, ou como alternativas mais abstratas e subjetivas como com a arte, através da: música, pintura, poesias, etc (estas últimas se lançam numa reflexão bastante envolvente, crítica, às vezes irônica da morte).

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Por se tratar de uma questão estrutural de falha social, a família se encaixa neste contexto, seja no sentido de manter segredo sobre a tentativa de suicídio de um membro, seja na vergonha de ter noticiado publicamente o ato consumado de um de seus membros.
As causas mais comuns de suicídio são: Ruínas financeiras; Vergonha e desonra; Desilusões amorosas; Doenças físicas: AIDS, Câncer, etc. Doenças mentais (Psicose,depressão, vícios); Solidão; Medo do futuro, de fatos sabidos ou imaginados...

[...]

O tema Suicídio possui implicações que podem variar de acordo com a cultura de cada população. Porém, na grande maioria dos povos, a morte é encarada como uma perda irreparável e que traz muito sofrimento para aqueles que ficam. O conceito de terminalidade é um conceito relativo, já que todos nós temos a morte como fim do nosso processo de desenvolvimento. A morte é um tabu em determinadas sociedades, pois há uma crença de que o processo de morte é sempre acompanhado de sofrimento e de dor insuportável.

Normalmente o que se espera é que o homem nasça, cresça e se desenvolva cumprindo o seu ciclo vital (com morte natural). Alimentando-se do desejo que o sujeito humano, ao longo da vida, elabore suas perdas, seus lutos, transformando-os e trabalhando a sua subjetividade na preservação da própria vida. No entanto, um ser humano angustiado e preocupado com a sua terminalidade, perdendo parte de sua beleza e de sua plenitude pode ficar sujeito ao acometimento de atentar-se para com a própria vida.
Para tomar tal decisão, a pessoa deve não acreditar mais que as coisas podem mudar. Quando se trata de alguém com diagnóstico de psicose, ou em fase terminal de uma doença é possível compreender o grau de desespero. Porém, quando se trata de pessoas jovens e em boa saúde dificulta-se a compreensão desse ato.
O modo como as perdas são administradas na família e os “mitos” correspondentes a elas, os quais são desenvolvidos dentro do contexto familiar determinam se o ato suicida vai ser a resposta a uma perda percebida ou antecipada. Porém, em 90% dos casos de suicídio, o suicida avisou antes de exterminar-se.

Nem sempre as fábulas e os mitos de sucesso arraigados nas sociedades funcionam da mesma maneira para todos os indivíduos, nem tampouco para os familiares. Os trágicos mitos a respeito do valor mal construído da família e do risco de confiar nos outros, derivados de muitas gerações de crises, são precursores importantes na decisão da realização do ato suicida.
A pessoa com pensamento suicida apresenta uma gama limitada de mitos pessoais para administrar. No momento em que esses mitos passam a ser insustentáveis, o sujeito não tem como adaptá-los ou substituí-los e, privado de qualquer modo de antecipar um futuro que possa ter um desenrolar positivo e incapaz de realizar a reconciliação, acredita que a passagem ao ato é a única opção viável para si. Como o suicídio, há outras formas que implicam não tão somente na morte auto-inflingida, mas em processos autodestrutivos crônicos como no uso das drogas, do álcool, em certos tipos de acidentes etc.

Como Psicóloga, ressalto que quando o terapeuta toma conhecimento de que o seu cliente planeja cometer auto-extermínio, considerando todo o contexto do caso, e sendo uma situação que configure conflito no dever do psicólogo de respeitar o sigilo profissional a fim de proteger a intimidade de quem com ele se trata, o Código de Ética da profissão permite que o Profissional decida pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo, preservando assim a vida. Dessa forma, o profissional pode trazer ao tratamento a realização de intervenção aproveitando a oportunidade da crise para reaproximar membros da família que estavam polarizados e distantes. Estes, se instruídos e motivados adequadamente e tendo suporte à disposição a todo o momento, freqüentemente conseguem monitorar o comportamento daquele que tentou suicídio com seguranças durante os períodos agudos de crise. É importante essa reunião dos familiares em torno da crise. A crise suicida pode ser uma oportunidade para reverter o processo de fragmentação das relações e criar uma cerimônia de reconciliação.
Definições teóricas se alternam, se complementam, se contradizem: as reticências, ou mesmo um ponto de interrogação permanecem em desafio a uma resposta definitiva e exata. Não há uma única resposta porque o caminho do suicídio é o da ambigüidade. Nele vida e morte se encontram, se complementam, se contradizem, repetindo este movimento infinitamente como as definições do próprio termo em torno de ódio e amor, coragem e covardia, etc. Mesmo afirmativas que parecem inquestionáveis, como a de que o suicídio é resultado de angústia e sofrimento, não valem para todos os países e se tornam absurdas quando se estudam os casos de suicídio em países orientais. É comum os estudiosos do suicídio serem acusados de defendê-lo e incentivá-lo, sem considerar de maneira mais humana o drama de quem vive com suicidados na família ou com o suicídio dentro de si mesmo. A tais acusações, cabe responder que é preciso chamar a sociedade a assumir parte da responsabilidade com os suicidados o que não significa defendê-los e nem incentivar o ato suicida, mas a discussão é rica justamente porque o drama vida/morte é vivido por todos nós com nossas reflexões carregadas de sentimentos.
O tratamento dos casos de suicídio não deve ser levado em teorias que generalizam sua compreensão e universalizam suas explicações a partir de um determinado caso. Em cada sujeito que se mata fracassa uma proposta comunitária. O pensamento de que toda a realização do ato suicida centraliza-se no sujeito é ultrapassado. A tentativa de compreensão deste se mistura a outras formas de violência e se torna parte de um todo social destrutivo.
O suicídio é um gesto de comunicação. O indivíduo se mata para relacionar-se com
os outros e não para ficar só ou desaparecer. A morte é o único meio que o
sujeito encontra para restabelecer o elo de comunicação com os outros. Ele
pratica um ato de comunicação e não um gesto solitário e que, além de tudo, é
uma comunicação para uma sociedade que o impede de comunicar-se de outras formas que não seja através deste gesto. (Marcimedes,1992)
De certa forma podemos concluir que mesmo com toda a revolução técnico-científica, a morte continua sendo um tema difícil de se abordar, um tabu existente em algumas sociedades. E esse fato de existir, porém ser um “não dito” é tão arraigado na nossa cultura que faz com que o ser humano apresente dificuldades para compreendê-la. A morte geralmente é compreendida pela nossa sociedade sob uma perspectiva assustadora. Ao lidar com este assunto, o individuo acaba esbarrando em suas resistências e na questão de sua existência, conseqüentemente, na sua finitude, trazendo suas angustias a tona.
Além da questão da morte, o suicídio também se apresenta como um tabu na sociedade. Não se comenta como, quando, onde e o motivo. É proibida, por lei a divulgação de tal assunto nos meios de comunicação devido ao fato de as autoridades acreditarem que este fenômeno tem o poder para influenciar outros jovens. O suicida tem sérias dificuldades para administrar os mitos presentes em sua vida, e estes passam a ser insustentáveis para ele. Sendo assim, acredita que efetuar a passagem ao ato é a única forma de comunicação para dar conta de lidar com todas suas dificuldades, medos e anseios e de trazer para a sociedade aquilo que ele não deu conta de expor de outras formas.
  • A maioria dos suicídios é praticado por homens, mas as mulheres tentam mais tirar a própria vida.
  • Estima-se que de 10 milhões a 20 milhões de pessoas tentem suicídio a cada ano.

"Os homens costumam lançar mão de meios mais definitivos do que as mulheres", disse Lars Mehlum, presidente da Associação Internacional para a Prevenção de Suicídios.

Estatisticamente os idosos têm maior probabilidade de se matarem, embora homens com idades entre 15 e 29 anos cada vez mais tentam o suicídio.

A associação afirma que isso se deve em grande parte à disponibilidade de armas.

"Armas de fogo são o instrumento mais letal de suicídio. Poucas pessoas resistem quando atiram contra si mesmas", disse Mehlum.

Em se tratando de pacientes terminais, é importante ressaltar que, no instante em que o paciente toma conhecimento do seu quadro clínico e das propostas para tratá-lo (quando possível), ele se torna susceptível a desencadear comportamentos visivelmente percebidos em pessoas que enfrentam uma grande perda, podemos chamar como etapas do luto:
- Negação e isolamento: um mecanismo que é mais comum no início do processo. Pode ser seguido de choque e retraimento.
- Raiva: é uma revolta por não compreender o motivo do fato estar acontecendo justamente com ele.

- Barganha: Esforço de colaborar com o tratamento acreditando na possibilidade de assim poder adiar o desfecho inadiável.

- Depressão: É um estado de preparação para a perda de todos os objetos amados e também um momento em que se elabora um luto de perdas que já foram vividas.
- Aceitação: O paciente parece desligado, dorme, não mais como fuga, mas como um repouso antes da morte.

Nem todos os pacientes atingem a etapa da aceitação. Aqueles que conseguem atingir causam tremendo incômodo nos seus familiares, pois eles querem trazê-lo para a vida, conversar, falar de aspectos do mundo e isto para o paciente já não é mais interessante uma vez que o desligamento já se processou. Um diagnóstico que apresenta uma doença que diminui o tempo de vida altera a trajetória familiar e à medida que isso acontece, as crenças mais íntimas sobre a vida e a morte são confrontadas e desafiadas.
Entre as implicações mais poderosas de um diagnóstico de doença terminal, estão as crenças do paciente e da sua família sobre este diagnóstico.

Nas famílias que experienciam uma doença terminal, há uma probabilidade aumentada de desenvolvimento de sintomas emocionais e/ou físicos quando seus membros são incapazes de discutir abertamente a morte iminente” (Herz Brown, 1989).

Freqüentemente, quando a família e o indivíduo moribundo tentam proteger um ao outro da ansiedade, deixam de se comunicar. A falta de comunicação cria tensão e distanciamento, que podem manifestar-se em uma variedade de sintomas. A família também vivencia o mesmo processo de perda que o paciente, não necessariamente na mesma sintonia. Porém, sua forma de enfrentar o fato vai depender da estrutura de casa um. É diante de casos assim que o psicólogo, inserido em uma instituição de saúde, está apto a atuar. Visto que, de acordo com o Código de Ética, um dos princípios fundamentais da função deste profissional é trabalhar visando “(...) promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Código de Ética do Psicólogo, agosto 2005, p.7)

Quando se utiliza o rótulo “terminal”, traz-se a idéia de que não há mais nada a se fazer pelo paciente. Portanto, este é o momento-chave já que o ele se encontra necessitado de ajuda física e psíquica. O paciente não está morto, dessa forma, continua como um ser desejante. E é com base nos seus desejos que circunda o trabalho psicoterápico.

Este processo não visa a cura da doença nem sequer induzir uma aceitação ao paciente. Enfim, trata-se de fornecê-lo um espaço para falar da sua doença, do medo da morte, da vida ou de quaisquer outros temas que ele achar adequado. Faz-se isso sempre acreditando num acolhimento em que se enfatiza a qualidade de vida, na facilitação da comunicação e na expressão dos sentimentos.

Porém, há casos em que o paciente apresenta um quadro com baixa escala de consciência não respondendo a estímulos e, conseqüentemente não realiza contato algum com aqueles a sua volta. E então o trabalho do psicólogo passa a ter uma abrangência maior com os familiares. É nesses momentos que entram em questão assuntos como a Distanásia e a Eutanásia. Uma parte dos familiares que ainda vivenciam as etapas da perda são a favor da utilização de todos os recursos que a medicina dispõe para que o paciente, mesmo em coma (induzido ou não), permaneça “vivo”. Outros fazem opção pelo limite de esforços terapêuticos por não suportarem ver o ente naquela situação. Preferem não prolongar tal sofrimento.

Essas duas vertentes abrem leque para muita discussão sobre a conduta ética dos procedimentos éticos. Mas, antes de entrar nesse assunto, faz-se necessário definir o significado desses dois conceitos:

  1. Eutanásia: também chamada de “morte piedosa” é uma ação ou omissão que busca a morte com o objetivo de eliminar toda a dor do paciente.

  2. Distanásia: atitude médica que, visando salvar a vida do paciente, submete-o a grande sofrimento. Nesta conduta adia-se o processo de morrer.

No Brasil, a eutanásia não é aprovada em lei. A atribuição de matar legalmente os doentes, investida a classe médica, acarretaria numa cisão da relação médico-paciente. Cairia sobre os médicos um olhar de suspeita, pois este já não estaria mais invariavelmente ao lado da vida e, assim passaria a ser visto como um possível matador. A partir daí mantém-se os cuidados necessários até que de fato, por lei natural, o paciente parta.

A dificuldade de encarar a morte como um fator natural deve-se, entre tantos e outros fatores, ao avanço científico que promoveu um adiamento do momento da morte sem uma conseqüente preocupação com a qualidade de vida dos pacientes. O paciente perdeu o seu lugar social e passou a ser o número do leito que ocupa e o diagnóstico que lhe foi dado. Além disso, em vez de repouso e tranqüilidade passou a receber aparelhos, transfusões, picadas, intromissões de tubos e cateteres e exames muito invasivos. Com esse avanço, a preocupação agora é com órgãos, pulsações e não com a pessoa, o que faz com que a morte se torne um ato solitário, mecânico e doloroso.

Foi desse princípio que surgiu a idéia de se buscar um atendimento mais humanizado, ou seja, inserir o paciente novamente em seu lugar social procurando ouvi-lo nas suas necessidades como seres humanos. E desse trabalho ele passou a ser mais participativo no seu tratamento. A grande questão não seria mais informá-lo que ele tinha uma doença grave e sim como transmitir essa informação de forma que pudesse acolhê-lo.

Portanto, compromisso, sensibilidade, conhecimento, preocupação com outro ser humano e a crença de que a vida é um aprendizado que vale a pena - são os principais recursos que os profissionais de saúde primária têm; apoiados nisso eles podem ajudar a prevenir o suicídio.

Para esclarecimento sobre Ética:

Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.

Para esclarecimentos sobre as Políticas Públicas:

Para os casos de doença terminal, a atuação do governo federal vem em duas vias: doenças como AIDS e câncer, antigamente entendidas como terminais, agora são encaradas como controláveis; (para o ministério, quanto mais cedo o diagnóstico, maior a possibilidade de qualidade de vida do paciente).
A respeito das doenças terminais, o Conselho Federal de Medicina aprovou resolução que permite ao médico suspender tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida dos doentes sem chances de cura, desde que a família ou o paciente concorde com a decisão, que deve constar no prontuário médico.
Na Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio, do Ministério da Saúde, este é um problema de saúde pública que afeta toda a sociedade e pode ser prevenido.
Como medidas preventivas, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde recomenda esforços para reduzir o acesso a meios letais e métodos autodestrutivos (...) a diminuição do número de comprimidos psicoativos prescritos em cada receita médica. (Brasil, 2006)

Karina Araújo Campos
Psicóloga

2 comentários:

  1. Olá! O nome deste artigo é "O fim da existência pelo suicídio" e está na íntegra em http://psicologiaexisthumana.blogspot.com
    Obrigada!

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  2. Só hoje vi seu comentário! Vi sua reflexão e é bastante pertinente! É um assunto seríssimo! Parabéns pela iniciativa! Karina.

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