quarta-feira, 27 de julho de 2011

Filosofia do Caos - Suicídio

Ontem em uma conversa habitual antes do jantar, minha sogra falava de um rapaz que se suicidou e atribuiu a isto um ato de fraqueza, e eu como um bom ruminante, fiquei pensando naquelas palavras, o que fez submergir alguns demônios filosóficos e, por conseguinte, resolvi escrever esta pequena dissertação.

Como premissa primeira, não vejo o suicídio como uma fraqueza ou algo ontologicamente maléfico, e sim um ato contaminado pro valores axiológicos cristãos e decadentes (que nietzschiano fui agora). O ato de tirar sua própria vida é visto pela cultura dominante como um ato de fracasso e covardia, uma aberração psiquiátrica, onde o potencial suicida tem de ser curado desta maligna obsessão. Contudo, através de uma análise histórica, podemos perceber que a conotação pejorativa ligada ao suicídio advém, principalmente, da moral cristã que prega este crime como um dos maiores pecados.

Em tempos primitivos, era costume o ancião suicidar-se para promover o bem comum social. No Egito antigo, foi criada a Academia de Sinapotumenos, que ensinava aos servos morrerem junto ao faraó, para não abandoná-lo no mundo dos mortos. Na Grécia antiga, o suicídio poderia ser considerado um crime contra a sociedade, e o potencial suicida deveria comunicar seu suicídio e esperar o consenso da comunidade, contudo, o suicídio na Grécia era sentenciado àqueles que praticavam crime contra o Estado grego, o caso mais famoso foi o do filósofo Sócrates, condenado a beber cicuta depois de ser acusado de corromper a juventude e por impiedade aos deuses. Na Roma antiga, com certa influência do estoicismo, o suicídio ganha uma conotação política, como ato de resistência perante o poder político opressor, vide como exemplo a morte de Sêneca perante Nero e a de Catão diante da soberania de César. Até mesmo nos primórdios do cristianismo, era costume que uma horda de cristão tirasse a própria vida, visando o alívio dos sofrimentos terrenos e buscando o cessar da dor junto a Deus. Por isso, devido a grande parcela de cristãos que praticavam suicídio, a Igreja através do Concílio de Arles decide condenar o suicídio como um crime, pregando a ausência de rituais o repúdio de Deus ao suicidado.

Com este argumento, ao longo da história do ocidente, o suicídio foi elevado ao patamar de um tabu social, atribuindo valores negativos ao suicida, sempre condenando-o pelo crime a sua vida. Nietzsche em um de seus livros cita que "O suicídio é admitir a morte no tempo certo e com liberdade", ou como o professor Orlandi da Unicamp expressa em sua palestra sobre ética em Deleuze, o suicídio do filósofo francês foi ato extremamente singular do filósofo, onde o mesmo exerceu o direito de tirar a sua própria vida.

Levando em conta o princípio de que a vida é singular, por que temos de julgar o ato de suicídio do outro? Onde está a autonomia da pessoa em decidir se não quer mais viver? Por que devo dizer a um Deleuze que não se deve pular da janela? O que faz minha verdade e minha crença ser mais verdadeira do que a outra? Por que o suicídio é uma fraqueza se nada contra a corrente dos valores em voga em nossa cultura? Será que o ato de tirar a própria vida não advém muito mais da coragem do que da covardia?

São questões que para serem respondidas é preciso estar para além do bem e do mal...

FONTE: http://filosofiadocaos.blogspot.com/2009/12/o-suicidio.html

Brasil maior número de pessoas com depressão

A depressão, ou episódio depressivo maior (MDE, na sigla em inglês) está em crescimento e começa a se tornar um problema de saúde pública no mundo inteiro. É a conclusão de um estudo publicado nesta terça-feira, na revista BMC Medicine, que fez um mapeamento do transtorno em 18 países, incluindo o Brasil, que apareceu como o país com a maior número de pessoas deprimidas.

A depressão é uma doença caracterizada por um conjunto de sintomas psicológicos e físicos, associada a altos índices de comorbidades médicas, incapacitação e mortalidade prematura.

Os países foram divididos em dois grupos: alta renda (Bélgica, França, Alemanha, Israel, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Espanha e Estados Unidos) e baixa e média renda (Brasil – com dados exclusivamente de São Paulo –, Colômbia, Índia, China, Líbano, México, África do Sul e Ucrânia).

De acordo com o relatório, nos dez países de alta renda incluídos na pesquisa, 14,6% das pessoas, em média, já tiveram depressão. Nos 12 meses anteriores, a prevalência foi de 5,5%. Já nos oito países de baixa ou média renda, 11,1% da população teve episódio alguma vez na vida, em comparação a 5,9% nos 12 meses anteriores. A maior prevalência nos últimos 12 meses foi registrada no Brasil, com 10,4%. A menor foi a do Japão, com 2,2%.

“No artigo internacional, foram incluídos exclusivamente os dados sobre depressão maior, mas a nossa pesquisa avalia diversos outros transtornos mentais, entre eles os de ansiedade – como pânico, fobias específicas, fobia social e transtorno obsessivo compulsivo – e transtornos de humor, como o transtorno bipolar, distimia e a própria depressão maior”, informou Maria Carmen Viana, professor do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo, que participou da pesquisa.

Também foram publicados recentemente resultados sobre transtorno bipolar, suicídio e tabagismo. “No estudo São Paulo Megacity estimamos que 44,8% da população já apresentou pelo menos uma vez na vida algum transtorno mental. Nos 12 meses anteriores à entrevista, a prevalência foi de 29,6%”, acrescentou.

O trabalho faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que integra e analisa pesquisas epidemiológicas sobre abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais. O estudo é coordenado globalmente por Ronald Kessler, da Universidade de Harvard (Estados Unidos).

Assistência mental no Brasil "deixa a desejar", diz pesquisadora

Segundo o levantamento, a depressão é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo. “Os dados epidemiológicos, no entanto, não estão disponíveis em muitos países, em especial os de baixa e média renda, como o Brasil. Por isso é tão importante termos esse tipo de estudo de base populacional”, afirmou Viana.

A assistência à saúde mental no Brasil, segundo Viana, deixa a desejar do ponto de vista da Saúde Pública. "Acredito que a divulgação de dados como esses devem servir de alerta e de embasamento para políticas públicas de prevenção e assistência à saúde mental. É preciso que essas políticas possam ser traçadas e implementadas levando em consideração as necessidades que identificamos na nossa população", afirmou Viana.

Prevalência maior em mulheres

Os resultados do estudo mostraram que, nos países de alta renda, a idade média de início dos episódios de depressão maior foi de 25,7 anos, contra 24 anos nos países de baixa e média renda. Incapacitação funcional mostrou-se associada a manifestações recentes de MDE.

O estudo também revelou que a prevalência é duas vezes maior entre as mulheres em relação aos homens. Nos países de alta renda, a juventude está associada com uma prevalência mais alta de depressão nos 12 meses anteriores à entrevista. Por outro lado, em vários dos países de baixa renda, as faixas etárias mais altas mostraram ter maior probabilidade de episódios depressivos.

A condição de separação de um parceiro apresentou a correlação demográfica mais forte com o MDE nos países de alta renda. Nos países de baixa e média renda, os fatores mais importantes foram as condições de divórcio e viuvez.

Com a Agência Fapesp

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Suicídio de Jovens homossexuais eo papel da psicologia.

POR
Gilmaro Nogueira, Psicólogo Clínico, Especialista em Estudos Culturais História e Linguagens, Mestrando no Programa Multidisciplinar Cultura e Sociedade (UFBA), Pesquisador do Grupo de Cultura e Sexualidade (CUS). Pesquisa em andamento: A significação das experiências não-heterossexuais em Salvador.





Pesquisa divulgada em Nova Iorque, em 18/04/2011, indica que o número de jovens homossexuais que se suicidam é cinco vezes maior que o número de jovens heterossexuais. É um grande sinal de alerta para se pensar em políticas públicas que promovam melhorias nas condições de vida de um grupo vulnerável socialmente.

Diante deste grave problema social, é importante pensarmos como a psicologia pode colaborar para mudar essa situação. Primeiro é preciso deixar claro que a homossexualidade não é uma doença ou transtorno mental que motive o suicídio ou qualquer outra violência contra si mesmo. É importante ressaltar que, desde 1999, o Conselho Federal de Psicologia proíbe qualquer ação de psicólogos que possam colaborar com uma representação da homossexualidade como doença ou anormalidade, bem como realizar terapias para mudança de identidade sexual. Se você ouviu, presenciou ou sabe de algum psicólogo que, na prática profissional, considera a homossexualidade como transtorno e propõe cura, denuncie ao Conselho Federal de Psicologia.



Para a psiquiatria, a homossexualidade não é doença, mas quando é experiênciada como sofrimento, seguida de sentimentos, impulsos, atitudes e comportamentos que contrariam a própria pessoa, lhe é atribuída um transtorno egodistônico. Dessa forma, a psicoterapia não tem por objetivo mudar a orientação sexual do indivíduo, mas ajudá-lo a lidar com sua sexualidade, se refazer enquanto sujeito sexual.

Alguns psicólogos, sobretudo os evangélicos, acreditam que a psicoterapia deve curar a homossexualidade, quanto o sujeito tem uma queixa de sofrimento. Mas se um indivíduo chegasse até um psicólogo com uma queixa de sofrimento por racismo, o profissional deveria ajudar o paciente a mudar de cor, ou lidar com estas questões que não são pessoais, e sim sociais?

O próprio conceito de transtorno egodistônico é questionável, pois o fato do sujeito não aceitar seu desejo não diz respeito somente a ele, mas a todo um sistema social que exige determinada forma de sexualidade e condena outras. Só deveríamos considerar egodistônico um sujeito que vivencia uma sexualidade valorizada socialmente, mas mesmo assim a rejeita e sofre pelo fato do seu desejo corresponder ao que é esperado dele, o que, até onde sei, não ocorre em nossa sociedade.

É bom deixar claro que não existe um “sofrimento homossexual”, assim como não existe um psiquismo homossexual. Não há uma essência psicológica homossexual que seja oposta a uma psique heterossexual. Quero dizer com isso que heterossexuais e homossexuais não são opostos, e se os homossexuais têm uma vivência ampliada de sofrimento, isso não faz parte de uma suposta natureza humana. A natureza desse sofrimento é consequência de um sistema político em que a heterossexualidade é considerada uma experiência obrigatória, natural, saudável e louvável, enquanto a homossexualidade é considerada desvio ou anormalidade. Essa naturalização da sexualidade tem consequências, pois primeiro o sujeito aprende que a homossexualidade é anormal para depois sedeparar com o seu desejo.

É preciso ressaltar também que a personalidade é construída a partir da relação com o outro, necessariamente a partir de um ideal, que em nossa sociedade é um ideal heterossexual. Todas as referências positivas fazem parte da identidade heterossexual, enquanto todos os referenciais negativos são relegados à homossexualidade. Essa moral dualística faz com que os jovens, ao construírem sua personalidade, identifiquem na heterossexualidade aquilo que devem ser e, no desejo pelo mesmo sexo, uma impossibilidade de realizar esta idealização.

Quando há alguma proposta de positivar a homossexualidade, surge também à acusação de promover a experiência gay, como se a exigência simbólica da heterossexualidade não matasse tanta gente, mesmo assim, essa exigência é promovida na mídia, nas escolas, nas religiões e na família. A ideia de uma representação positiva da homossexualidade é também complexa, pois termina dividindo os homossexuais entre os que se adequam ao modelo de normalidade e os mais subversivos, que terminam sendo rejeitados pelos próprios homossexuais, o que impossibilita uma experiência de solidariedade e diminui o suporte social.

Essas políticas identitárias que visam promover a homossexualidade a um status de igualdade podem ser eficazes na redução de danos mas, se quisermos resolver o problema de fato, precisaremos descontruir a ideia de heterossexualidade como natural, de homossexualidade como oposição e, mais ainda, de que as identidades sexuais se resumem a duas posições opostas.

Alguns psicanalistas já advertiram do engano de considerar as identidades como algo da natureza. Jurandir Freire Costa já problematizou que a identidade é um efeito da linguagem que oferece duas únicas possibilidades aos sujeitos, e sugeriu que a palavra homossexual fosse retirada da prática clínica, pois ela não diz o que o sujeito é. Paulo Roberto Ceccarelli acrescenta que a homossexualidade é um artefato classificatório patologizado, enquanto Contardo Calligaris adverte sobre a impossibilidade de escapar de toda montagem imaginária e negativa que carrega a palavra homossexual.


Assim, enquanto os psicólogos devotarem todos seus esforços à psicoterapia para resolução desse problema, a psicologia pouco poderá contribuir para eliminar o suicídio de jovens homossexuais. É trabalho de bombeiro - apagar
as chamas! É preciso uma posição mais política, que os psicólogos sociais têm reclamado estar ausente da psicologia, e que está para além da clínica, embora possamos combinar as duas coisas. Enquanto o modelo de sociedade que está alicerçado numa heterossexualidade como norma ou como vivência privilegiada não for questionado, essa mudança não será efetiva.

Campanhas como: “eu sou gay”, “ser gay não é errado” podem ser muito positivas, mas, se não questionarmos os processos sociais que tornam as pessoas normais ou anormais, sadias ou patológicas, os suicídios continuarão acontecendo, não por conta dos sujeitos, mas na conta de um sistema social. Não adianta tentar inserir os sujeitos dentro das normas hegemônicas, é preciso questionar as normas se, de fato, desejarmos um mundo melhor e mais justo.


FONTE.

http://www.culturaesociedade.com/cus/index.php?option=com_content&view=article&id=90:suicidio-de-jovens-homossexuais-e-o-papel-da-psicologia-&catid=35:publicacoes

domingo, 3 de julho de 2011

Suicídio de Yoñlu - 16 anos, Porto Alegre.





"Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios’’ -suicidado.







Essa frase é de um adolescente de 16 anos. Um garoto que amava Radiohead, Mutantes e Vitor Ramil. Foi escrita no dia de seu suicídio. Era parte de sua carta de despedida. Ele dizia aos pais que a música era a melhor maneira de enfrentar o desespero que viria. Antes de começar a morrer, colou a carta no lado externo da porta do banheiro. Acima dela, um cartaz: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Vinícius ligou o aparelho de som – “porque é bom morrer com música alegre” – e entrou.

Essa frase escrita na morte se transformou num legado de vida ao ser impressa no encarte do CD que será lançado ainda em fevereiro pela Allegro Discos, com 23 músicas de sua autoria. Parte delas foi entregue aos pais na forma de uma herança às avessas: “Deixei na mesa do computador um envelope vermelho da Faber-Castell que contém um CD com algumas de minhas músicas”. Yoñlu, o título do CD, é o nome com o qual batizou a si mesmo no mundo em que circulava com mais desenvoltura: a internet.

Ambos, Vinícius e Yoñlu, morreram por asfixia por volta das 15h30 de uma quarta-feira de inverno, 26 de julho de 2006. Vinícius foi estimulado ao suicídio e auxiliado por pessoas anônimas na internet. Ele é a primeira vítima conhecida no Brasil de um crime que tem arrancado a vida de jovens de diferentes cantos do mundo – uma atrocidade que poderia ser chamada de Suicídio.com.Encobertos pelo anonimato da rede, internautas de diferentes nacionalidades têm dito em várias línguas a pessoas muito frágeis, a maioria delas adolescentes: “Mate-se”. O suicídio de Simon Kelly, de 18 anos, em Cornwall, na Inglaterra, foi um dos primeiros sinais de que algo de macabro estava acontecendo no reino da internet. No verão de 2001, o garoto aproveitou uma viagem dos pais para acessar sites sobre suicídio com detalhes técnicos de como poderia se matar. Morreu de overdose enquanto conversava com “amigos” virtuais em uma sala de bate-papo. A banalidade dos diálogos travados enquanto o adolescente tirava a vida é chocante. Ninguém tentou dissuadi-lo ou buscou ajuda. Um internauta procurou apenas convencê-lo a dar uma última olhada no mar antes do fim. Simon respondeu: “Fiz isso no domingo. Vejo vocês do outro lado”. A morte foi transmitida pela câmera do computador.

Somente em 2005, 91 pessoas, a maioria entre 20 e 30 anos, suicidaram-se no Japão, estimuladas por sites na internet. Apenas em um mês, março de 2006, houve três casos de suicídios coletivos combinados em fóruns virtuais no país: 13 internautas morreram. Desde o ano passado, 14 jovens da região de Bridgend, no sul do País de Gales, se mataram. Alguns deles estavam ligados por um site de relacionamento que difundia uma idéia “romântica” do suicídio. O mais velho tinha 26 anos. Nos últimos seis anos, a Papyrus, entidade dedicada à prevenção do suicídio, registrou 27 mortes incentivadas pela internet apenas na Grã-Bretanha. A vítima mais jovem tinha 13 anos.

No mundo virtual não há nenhuma perversão nova, apenas as velhas modalidades que já assombravam as ruas da realidade. A diferença é que, na internet, qualquer um pode exercer seu sadismo protegido pelo anonimato, na certeza da impunidade. Basicamente, a idéia é: “Se ninguém sabe quem eu sou, não só posso ser qualquer um, como posso fazer qualquer coisa”. Megan Meier, uma adolescente americana de 13 anos, foi uma vítima da mais banal das maldades, cuja potência de destruição foi multiplicada na internet. Depois de receber mensagens hostis de um “amigo” virtual no site de relacionamento MySpace, Megan subiu ao 2o andar da casa e se enforcou com um cinto no closet. Josh Evans, um garoto musculoso de 16 anos, louco por pizza, tinha dito a ela: “Você é uma pessoinha de m.... O mundo seria bem melhor sem você nele”. O detalhe: Josh nunca existiu. Era uma criação coletiva de suas vizinhas para se divertir com a menina gordinha.

O brasileiro Vinícius Gageiro Marques deixou o inventário de seu suicídio. Documentou sua morte na carta de despedida impressa em papel e no registro virtual da internet. Seguindo seus passos, é possível chegar ao impasse de uma época em que adolescentes habitam dois mundos – mas os pais só os alcançam em um.

Como Yoñlu, ele marcou seu suicídio no mundo virtual para as 11 horas de 26 de julho de 2006. No mundo real, Vinícius estava havia dois meses em internação domiciliar por determinação de seu psicanalista. Ele era um garoto superdotado, descrito como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”. Filho único do casamento de um professor universitário que foi secretário de Cultura do Rio Grande do Sul com uma psicanalista, ele teve todo o estímulo para desenvolver inteligência e sensibilidade. Alfabetizou-se em francês quando a mãe fazia doutorado em Paris com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan. Mas o mundo doía em Yoñlu, como mostram as letras de muitas de suas músicas. Sua questão não era morrer, mas fazer a dor parar.

Vinícius criou uma fantasia para enganar os pais: a de um adolescente “normal”. Disse a eles que queria fazer um churrasco para os amigos, que estava interessado numa “guria”, que preferia não ter os pais por perto. Dias antes, pediu ingresso para um show que aconteceria depois de sua morte, iniciou um tratamento de pele, foi ao supermercado comprar a carne. Simulou um futuro onde não pretendia estar.

Vinícius parecia “curado” no mundo real. Na internet, porém, Yoñlu pedia instruções sobre o melhor método de suicídio. Em 23 de junho, comentou que adiaria sua morte porque muita gente estava elogiando suas músicas. A faixa 10 do CD, “Deskjet Remix”, em parceria com um DJ escocês, tocava em festas eletrônicas de Londres. O mundo virtual de Yoñlu alcançava gente de vários países em sites de suicídio e fóruns de música, com quem conversava num inglês desenvolto.

Enquanto Vinícius tecia uma fantasia no mundo real, a realidade estava onde os adultos de sua vida não esperavam encontrá-la: no mundo virtual. A mãe arrumava a mesa para o churrasco de ficção. Bem ali perto, o computador anunciava a morte do filho pelo método conhecido como “barbecue”. Por volta de 11h15, os pais saíram do apartamento que ocupa três andares de um prédio da família, num bairro de classe média de Porto Alegre. Por volta das 12 horas Vinícius ligou para o celular da mãe, avisando que os amigos tinham chegado e que estava “tudo bem”. Às 13 horas, os pais deixaram o violão, que estava no conserto, na portaria do prédio. Vinícius foi buscá-lo. Três horas depois, os pais leriam: “Para garantir uma margem segura de tempo, inventei a história do churrasco, pedindo para que vocês saíssem de casa durante todo o dia. (...) Essa medida fez com que o churrasco de hoje parecesse um grande progresso no que tange a minha condição psíquica, quando na verdade era justamente o contrário”.

O que aconteceu depois foi gravado por Yoñlu no computador. Às 14h28, ele postou num grupo de discussão, sempre em inglês: “Estou fazendo esse método CO (suicídio por inalação de monóxido de carbono) neste momento e tenho duas grelhas queimando no banheiro. Aqui está a foto. Alguém pode me dizer se há carvão suficiente e quando eu posso entrar no banheiro e me deitar? Por favor, por favor, me ajudem! Eu não tenho muito tempo”.

A foto mostra duas churrasqueiras portáteis com chamas, uma ao lado da outra, num banheiro. Às 14h42, alguém diz: “Como você está se virando? Espero que você consiga o que quer. Talvez você volte daqui a pouco tossindo”. Dois minutos depois, Yoñlu escreve: “Ah, meu Deus. Eu não consigo suportar o calor, está tremendamente quente naquele banheiro. O que eu devo vestir para se tornar mais suportável? Eu tomei uma ducha antes, mas não adiantou nada. O que eu posso fazer? E o que eu devo fazer para desmaiar, por Deus?”.

Um bombeiro aposentado de Chicago, segundo o inquérito policial, orientou Yoñlu a retirar as roupas, encharcar algum pano e se enrolar nele para suportar o calor até o momento de desmaiar. O último post de Yoñlu, de Gay Harbour, como ele chamava causticamente Porto Alegre, foi às 15h02. Muito tempo depois, alguém escreveu: “Acho que funcionou, já que ele não entrou mais em contato”.

Às 15h45, o policial federal Enrico Canali, de Porto Alegre, foi chamado ao telefone porque era fluente em inglês. No outro lado da linha estava o policial Ken Moore, de Toronto, no Canadá. Lindsey, uma universitária canadense, amiga virtual de Yoñlu, procurou a polícia de sua cidade para avisar que alguém no sul do Brasil estava se suicidando. Deu o endereço de Vinícius, obtido com outro amigo virtual. Canali acionou a Polícia Militar.

Os PMs Volmir da Silva Ramos, sargento, e Fernando Hermann Heck, soldado, tentavam conter uma mulher em surto psicótico debaixo de um viaduto quando foram chamados pela central. Eram 16h10. A zeladora do prédio demorou 15 minutos para deixá-los entrar, assustada com a presença da polícia narrando uma história que soava absurda. Chamou o avô de Vinícius, que morava em outro apartamento do mesmo prédio. “Não é possível. Só meu neto está aqui, e ele está com os amigos, numa festa”, ele teria dito aos policiais. A cena que encontraram não precisa ser descrita.

Durante cerca de uma hora, o serviço médico tentou reanimar Vinícius. Ele explicou aos pais na carta: “O método que escolhi foi intoxicação por monóxido de carbono, é indolor e preserva o corpo intacto, mas demora, e se a pessoa é resgatada antes de morrer fica com graves lesões cerebrais e torna-se um vegetal”.

Quando o sargento constatou que estava tudo acabado, puxou o pai e a mãe do menino para que ficassem juntos – “porque agora só teriam um ao outro” – e foi embora. Os pais nem precisariam ter lido a carta para entender: “Não houve churrasco, não havia colegas nem guria que eu goste. Peço desculpas pela maneira trapaceira com que arranjei meu suicídio. Peço desculpas também pela maneira assustadora com que a notícia chegará a vocês. Foi a maneira que encontrei de garantir um dia inteiro sozinho a fim de conduzir o procedimento da maneira mais segura”.

Vinícius era um garoto de 1,83 metro de altura, magro e bonito. Mas não era essa a imagem que via. Em alguns momentos, segundo o inquérito, sentia que seu corpo se desintegrava, que seu rosto estava deformado. Procurava então um espelho para ter certeza de que estava ali. Na escola, quando tinha essa sensação, levava um CD para poder se olhar sem chamar a atenção. Aos 12 anos, ele já lia Kafka.

Quando se suicidou, Vinícius legou aos pais o que acreditava ser o melhor dele: Yoñlu, seu eu mais fluido, feito de palavras e de música, existência “salva” na internet. De novo a sua voz: “O computador está cheio de material sobre mim para vocês lerem se quiserem. Todas as minhas conversas no MSN estão gravadas. Eu tinha um blog em http://yonnerz.blogspot.com. Todas as minhas músicas estão salvas...”.

São mais de 60 músicas. Vinícius aprendeu a tocar bateria aos 4 anos, depois piano e violão. Na porta do quarto grudava um cartaz: “Gravando”. Uma vez chamou a mãe para ajudar na canção “Tiger”, faixa 14 do CD: o aparelho nos dentes não permitia que ele gravasse o assobio.

Ao entrar na internet em busca de Yoñlu, os pais encontraram fragmentos de morte. Ele fazia uma ressalva: “Não pensem de forma alguma que eu quis lançar-lhes algum tipo de culpa por terem, de certa forma, ‘assistido’ a minha morte. Não havia nada que pudesse ter sido feito para impedir isso”. E fragmentos de vida. Como a colega de escola que não virou namorada. Para Luana, ele compôs “Mecânica Celeste Aplicada”, a faixa 20 do CD. Diante do amor, Yoñlu não conseguia se passar pelo adulto de 26 anos que dizia ser em grupos da internet. Virava guri, o Pipoca do tradicional Colégio Rosário, Pop Corn nas aulas de inglês, Palomita nas de espanhol. Em qualquer aula, sobre qualquer tema, Pipoca emergia dos fones de ouvido para lançar a pergunta que toda a turma 303, do 3o ano do ensino médio, esperava: “Mas e qual é a relação com a água?”. Todo mundo ria, mas talvez esta fosse a pergunta que ele fazia ao mundo: qual é a relação com a água?

Não foi a primeira vez que Vinícius tentou o suicídio. Mas foi a primeira vez que havia vozes torcendo para ele morrer. Dizendo como ele podia morrer. E, desta vez, ele morreu. No Suicídio.com só existe a exposição de um corpo, o da vítima. Aqueles que disseram “mate-se” são vozes sem materialidade, desmancham-se no ar. Nos outros crimes iniciados pela internet, em algum momento, para consumar o abuso sexual, o assassinato, o criminoso precisa aparecer. É necessário um encontro real para existir o crime. No incitamento ao suicídio, não. A única maneira de impedir a continuidade dessa rede de morte é dar corpo às vozes, nome e sobrenome, dar existência concreta aos fantasmas mórbidos da rede.

No mundo todo, porém, adolescentes têm sido incentivados na internet a morrer sem que ninguém seja punido. No Japão, desde 2005, quando os suicídios ligados à rede aumentaram em 70%, os provedores passaram a ser obrigados a informar qualquer suspeita à polícia. Os casos diminuíram. No Brasil, 39 milhões de pessoas usam a internet, mas os provedores não têm obrigação de preservar provas. Sua responsabilidade só começa depois de receberem a notificação de que um crime está ocorrendo. Na lista dos dez países com maior número de internautas, o Brasil é o único que não tem uma divisão especializada em crimes cibernéticos. O projeto acumula poeira em Brasília desde 2005. A Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal é informal. Tem apenas quatro pessoas. A falta de estrutura somada ao caráter transnacional da rede garante a impunidade.

O crime de indução, instigação ou auxílio ao suicídio é previsto no Artigo 122 do Código Penal Brasileiro. A pena é de dois a seis anos de prisão, dobrada se a vítima for menor de 18 anos. Denunciada por uma canadense e instigada por internautas de diferentes países, a morte de Vinícius não foi considerada um crime pela polícia. Em ofício, a Delegacia de Polícia para a Criança e o Adolescente Vítima despachou o caso para a Polícia Federal, por envolver pessoas e sites de diferentes países. E a PF o mandou de volta em outro ofício dizendo que a atribuição é da Polícia Civil. Depois do empurra-empurra, o delegado Christian Nedel concluiu o inquérito sem indiciar ninguém, por entender que Vinícius tinha a intenção clara de se matar e por não encontrar provas de incitamento ao suicídio. Nenhum dos participantes do site foi sequer identificado. Em entrevista, o delegado admite que até o fato de os diálogos na internet serem em inglês tornou-se um problema.

Em março de 2007, outro adolescente brasileiro se suicidou em Ponta Grossa, no Paraná. Thiago de Arruda, estudante de Educação Física, foi atacado em uma comunidade do Orkut cuja principal missão era fazer fofocas sobre os moradores da cidade. Chamavam Thiago de “homossexual e pedófilo” na internet. O ataque atravessou as paredes virtuais da rede, e ele passou a ser agredido nas ruas de Ponta Grossa. Thiago escreveu na internet que, se as agressões continuassem, ele se mataria. Um internauta disse que ele deveria mesmo se matar e ensinou o mesmo método usado por Vinícius: inalação de monóxido de carbono. Thiago foi encontrado morto na garagem de sua casa. Cinco pessoas foram identificadas pela polícia. Ninguém foi preso.

Não há como saber o que fariam esses adolescentes que suspenderam a vida num chat da internet se conseguissem tornar-se adultos. Em 16 anos, um tempo exíguo demais, Yoñlu deixou um impressionante legado composto de músicas, desenhos e fotografias. Todo o material que ilustra esta reportagem foi feito por ele, é parte do encarte do CD Yoñlu. Em sua carta de despedida, Vinícius escreveu: “Se conseguirem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada de especial aconteceu no dia de hoje. O mundo continua igual. (...) Espero que não tenha ficado nada pendente”.

Ele estava errado. Nada nunca mais será igual. Tudo ficou pendente.

ÉPOCA entrou nos grupos de suicídio que Yoñlu freqüentava para descobrir o que um adolescente encontra nessa rede macabra
“Estou muito deprimido. Não vejo nenhuma razão para a minha vida. Como posso cometer suicídio? Ajudem-me, por favor.” A súplica foi feita por Diego Martin em um fórum de discussões sobre suicídio na internet. O grupo tem quase 2 mil internautas cadastrados que se correspondem em inglês. É um dos mais conhecidos da rede. Foi ali que Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu, fez alguns “amigos” virtuais. Logo que Diego se conectou, na semana passada, encontrou pessoas dispostas a ajudá-lo a morrer. “Você leu o que está no http://gr...? Veja o coquetel D... Pesquise no alto da página, à direita”, disse Kat. “Se você quer que funcione, sugiro que pesquise bastante. O http://gr... é um bom lugar para você começar”, afirmou Peter. Kat, que escreveu ser mãe de duas crianças e sofrer de problemas psicológicos, quis conhecer melhor Diego antes de dar a sentença de morte.

– Você acha que devo cometer suicídio?
– Não conheço a sua situação. Eu, por exemplo, tenho alguns contatos on-line com doentes terminais. Eles têm pouca possibilidade de vida. No meu caso, com dois filhos, acho que seria errado e egoísta.

– Eu não tenho vida. Só depressão.
– Isso ainda não é suficiente para que eu possa fazer um julgamento. Essa é uma grande decisão e não há retorno. Mande-me toda a sua história por e-mail.

Diego Martin não existe. É um jovem criado pela reportagem de ÉPOCA para descobrir como as pessoas se comportam na web quando conversam sobre suicídio. Mas Kat e Peter existem. Assim como centenas de outros internautas prontos para ajudar e incentivar quem deseja se matar. De acordo com Adalton de Almeida Martins, chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, criar um personagem na internet não é crime. “Seria falsidade ideológica apenas se houvesse prejuízo a alguém”, afirma. Crime é incitar ao suicídio. ÉPOCA selecionou alguns trechos de diálogos travados em um fórum na semana passada:

squidthings: Não quero te matar. Mas crianças usam essa m... o tempo todo. Tenho um amigo que tomou 2.650 mg e ficou alucinado durante três dias. Depois acordou abandonado em Cleveland.
fkd up: Eu estou planejando cozinhar N* e injetar na veia.
axlgu: Não funciona. Eu já fiz isso.
Samantha: Se você quer companhia, eu gostaria de ir. O remédio N* é minha primeira opção. Eu estava esperando para viajar com alguém. Estou reunindo os ingredientes para o coquetel de A*. É fácil achar esses remédios on-line. Só não sei se vai funcionar. Mas isso vai me custar US$ 300.
JohnnieR: Sam, estou tentando organizar um grupo de três ou quatro pessoas. Você será mais do que bem-vinda.
angrygirl13: Me corto e me queimo desde os 11 anos. Me corto quase todos os dias. Tenho um filho menor de idade, então eu não posso ir em frente agora... Mas todos os segundos, todos os dias, eu penso na morte.
tanhkx: Se alguém parar de comer, em quanto tempo morrerá? Provavelmente a pessoa vai ficar cega primeiro, certo? Por causa da falta de vitamina A, eu acho.
avalanche: Isso não funciona. Você só vai acabar hospitalizado.
angrygirl13: Meu amigo acabou de tentar se enforcar. Ele estava num programa de prevenção ao suicídio e o deixaram ir ao banheiro sozinho. Mas o lugar não era alto o suficiente para arrebentar o pescoço dele.
kat: Estava postando e notei a resposta de um policial. Devo ficar preocupada se ele estiver me rastreando? Que diabos um policial está fazendo neste site? Talvez ele seja suicida também. Se ele for policial, eu gostaria que atirasse na m... da minha cara.
squidthings: Uma vez, policiais apareceram on-line e tentaram me salvar. Chamaram o 911 e a polícia apareceu na minha casa. Você precisa ter cuidado com quem fala antes de morrer.


Suicidio e obesidade mórbida

Resumo

Introdução: As tentativas de suicídio surgem frequentemente associadas a problemas alimentares, tanto anorexia quanto bulimia. Do mesmo modo,
tem-se verifi cado uma elevada ocorrência de suicídio entre obesos. Investigações têm mostrado que a adversidade na infância pode ser um fator de risco para as tentativas de suicídio.
Objetivos: Caracterizar e compreender a relação entre experiências de adversidade na infância e tentativas de suicídio em 100 obesos mórbidos candidatos a cirurgia bariátrica.
Métodos: Um total de 100 pacientes foram selecionados de setembro de 2007 a outubro de 2007 e de janeiro de 2008 a janeiro de 2009, sendo que 20 pacientes eram do sexo masculino. A média de idade era de 38,89±9,87 anos, e a média do peso máximo era de 136,43±14 kg. O Questionário da História de Adversidade na Infância foi utilizado para avaliar experiências adversas.
Resultados: 88% dos pacientes relataram a existência de pelo menos uma experiência de adversidade na infância, e 25% relataram já ter realizado pelo menos uma tentativa de suicídio. A adversidade na infância esteve associada a um risco aumentado para realizar tentativas de suicídio (odds ratio = 2,026).
Conclusão: Esses dados devem ser levados em consideração na avaliação e no acompanhamento desses pacientes.
Descritores: Obesidade mórbida, cirurgia bariátrica, tentativa de suicídio.


ARTIGO COMPLETO EM:




http://www.scielo.br/pdf/rprs/v32n3/1321.pdf

Suicídio entre médicos e estudantes de medicina





O mundo está se tornando mais saudável, e a saúde da população se deve ao trabalho dos médicos e ao avanço tecnológico, embora aqueles continuem a trabalhar contra os próprios interesses.

Simon e Lumry1 apontam algumas razões para a elevada taxa de suicídios entre os médicos:

1) médicos tendem a negar o estresse de natureza pessoal;
2) médicos tendem a negar o desconforto psicológico;
3) inclinações suicidas são acobertadas (tratamento mais difícil);
4) médicos elaboram, mais freqüentemente, esquemas defensivos (fecham-se para qualquer intervenção terapêutica eficaz);
5) negligência da família e dos colegas (ele é médico, sabe se cuidar); os médicos têm o meio do suicídio ao alcance das mãos (métodos mais eficazes para o êxito).

Em 1903, o editorial do Journal American Association2 expôs que os médicos com uma predisposição mórbida, e sem princípios elevados ou inibições morais, optavam pelo suicídio como uma maneira direta e efetiva de eliminar seus problemas. Merecem atenção, aqui, as tendências materialistas que acreditamos existir entre os médicos, pois a morte lhes é familiar, em todas as suas formas, além de terem o meio do suicídio ao alcance das mãos.

FATORES DE RISCO NA POPULAÇÃO MÉDICA

O risco de suicídio é quase sempre reconhecível e previsível. Esforços precisam ser feitos para melhorar o diagnóstico, terapêuticas e prevenção daqueles médicos que fazem gestos ou tentativas de suicídio, e, muitas vezes, com sucesso. Sabemos que tentativas e atos suicidas são gritos de ajuda ("cry for help" — Stengel9), desejos de comunicação que precisam ser respondidos direta e imediatamente. A falta de controle pode, muitas vezes, conduzi-lo para comportamentos impulsivos ou imaturos e, possivelmente, para o suicídio.

Como na população geral, encontram-se fatores importantes com relação a idade, sexo, profissão, estado físico e fatores psicossociais














LETALIDADE E DISPONIBILIDADE DO MÉTODO

O uso de um método para suicídio está intimamente relacionado com sua disponibilidade, aceitação cultural e a letalidade25.

A ingestão excessiva de drogas é uma forma de suicídio muito aceita culturalmente, sendo os medicamentos, principalmente os psicofármacos, utilizados na maioria dos suicídios de médicos







CONCLUSÕES

É fundamental o preparo do estudante de medicina diante das reais condições de seu futuro trabalho, não estimulá-lo a utilizar idealizações onipotentes para enfrentar situações de difícil controle durante sua vida profissional.

Para o médico já em exercício da profissão, um programa de conscientização e orientação de que a informação técnica anteriormente adquirida não lhe dá imunidade aos conflitos emocionais. Publicações constantes para familiarização por parte dos colegas médicos com a profilaxia e reconhecimento dos sinais preditivos de suicídio. Desenvolvimento de uma assistência psiquiátrica e psicoterápica para médicos em risco de suicídio. Preparo de profissionais para lidar com esse grupo de pacientes, pois os sentimentos positivos e negativos da contratransferência se misturam, principalmente os de identificação. É imperativo que a equipe defina sua relação com o paciente-médico e enfatize a sua responsabilidade de cooperação, evitando privilégios especiais. Pensamos ser importante que a equipe não seja familiar (conhecida) do paciente médico.

Como dizem Rose e Rosow, o suicídio médico é um desperdício trágico de recurso humano.

Nossa classe deve tornar mais sensível a existência desse problema e mais apta a reconhecer "o pedido de ajuda" de um colega e de si mesmo, sem, contudo, deixar de zelar pelos interesses do público.

FONTE:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42301998000200012

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Brasil, país Rivotril.


Venda de calmante tem alta de 36% em quatro anos no Brasil
Em 4 anos, salto foi de 36%; tranquilizante é o 2º mais vendido entre drogas com receita e só perde para anticoncepcional. Para psiquiatras, há um abuso na indicação do tarja preta clonazepam, que causa dependência e danos na memória.


A venda do ansiolítico clonazepam disparou nos últimos quatro anos no Brasil, fazendo do remédio o segundo mais comercializado- entre as vendas sob prescrição.


Entre 2006 e 2010, o número de caixinhas vendidas saltou de 13,57 milhões para 18,45 milhões, um aumento de 36%. O Rivotril domina esse mercado, respondendo por 77% das vendas em unidades (14 milhões por ano).

O levantamento foi feito pelo IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica, a pedido da Folha. O tranquilizante só perde hoje para o anticoncepcional Microvlar (em média, 20 milhões de unidades por ano).
Para os psiquiatras, há um abuso na indicação desse medicamento tarja preta, que causa dependência e pode provocar sonolência, dificuldade de concentração e falhas da memória.


Eles apontam algumas hipóteses para explicar o aumento no consumo: as pessoas querem cada vez mais soluções rápidas para aliviar a ansiedade e o clonazepam é barato (R$ 10, em média).
Médicos de outras especialidades podem prescrever o ansiolítico e há falta de fiscalização das vigilâncias sanitárias no comércio da droga.


Procurada, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não se manifestou sobre o assunto.
Para o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina), é “evidente” que existe indicação inapropriada do remédio, especialmente por parte de médicos generalistas, não familiarizados com a saúde mental.


Muitos pacientes, segundo ele, já chegam ao consultório com queixas de ansiedade e pedindo o Rivotril. “As pessoas trabalham até tarde, chegam em casa ansiosas e querem dormir logo. Não relaxam, não se preparam para o sono. Tomar Rivotril ficou mais fácil”, diz ele, também presidente do Conselho Estadual Sobre Drogas.


Lima explica que entre as medidas adotadas pelo Cremesp para conter o abuso no uso do remédio estão cursos de educação continuada voltados a médicos generalistas.
Na sua opinião, a precariedade do atendimento de saúde mental no país também propicia o abuso do remédio.


INDICAÇÃO DE AMIGO


O psiquiatra José Carlos Zeppellini conta que recebe muitos pacientes que não tinham indicação para usar o remédio e que se tornaram dependentes da droga.


“Em geral, começaram a tomá-lo por sugestão de amigos e vizinhos, em um momento de tristeza, após terminar um namoro, por exemplo. Não é doença. Depois, não conseguem parar de tomá-lo porque têm medo de não se adaptar. É mais uma dependência psíquica do que física”, acredita ele.


Entre os usuários do Rivotril, existe um misto de glamorização e demonização em relação à droga.
Páginas no Facebook, classificadas na categoria entretenimento, tratam o Rivotril como “remedinho maravilhoso”. Outros grupos on-line, porém, discutem a dependência e os efeitos colaterais do remédio.

Dependência ocorre após 3 meses, segundo psiquiatra

O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor na Unifesp e coordenador da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), alerta que três meses de uso do Rivotril já são suficientes para criar uma dependência da droga. Para ele, a falta de fiscalização no comércio do remédio, o baixo preço e um possível “conluio” da indústria com o mercado poderiam explicar o sucesso do remédio no Brasil, que não se repete em outros países. A Roche, fabricante do Rivotril, informa que o remédio faz sucesso porque é eficaz e barato. Também diz que, como a droga está há muito tempo no mercado, não há ações de marketing. A seguir, trechos da entrevista à Folha:

Folha – A que o sr. atribui esse aumento do uso de Rivotril?
Ronaldo Laranjeira –
Temos uma vigilância sanitária muito falha no Brasil. Duvido que essa quantidade de prescrição seja legítima. Nos países desenvolvidos, a tendência é de diminuição dos benzodiazepínicos. A prescrição médica é mais rigorosa e fiscalizada, o que não acontece por aqui. É curioso saber também por que o Rivotril se destaca entre todos os benzodiazepínicos, coisa que não acontece lá fora.


Você tem alguma suspeita?
A gente pensa em algum conluio, em alguma colaboração da própria indústria com esse mercado ilegítimo ou cinza de venda do medicamento. Mas é só suspeita.


O fato de ser um remédio muito barato também ajuda?
Sem dúvida. A falta de controle na fiscalização e o baixo preço facilita o uso de qualquer droga. Por que no Brasil os opiáceos não são problema? Porque o controle é rigoroso e o preço é alto.


E quais os problemas reais que esse remédio causa?
Eles são hoje a principal causa de queda em idosos nos EUA. Os profissionais têm medo de prescrever e ser processados depois. Também não há indicação médica para seu uso regular. A maioria dos usuários no Brasil são crônicos, dependentes, às vezes de baixa dose. A pessoa pode ficar dependente e não necessariamente fazer uma escalada da droga. Pode usar um comprimido de Rivotril por dez, 20, 30 anos e ficar só naquela dose.

Em quanto tempo a pessoa se torna dependente
Em geral, após três meses.


E o que fazer se quiser parar?
Tem que ir diminuindo aos poucos a dose, por um período de seis semanas. Se parar de uma vez, tem risco de convulsões, de mal-estar. Mas, se a pessoa tem outros transtornos, precisa de avaliação.


Não vivo sem o meu Rivotril”, diz vendedora
Há cinco anos, a vendedora Mariana Vasconcelos do Prado, 26, não sabe o que é uma noite de sono sem o tranquilizante Rivotril. “Sei que estou dependente dele, mas não consigo largar porque me sinto muito bem”, diz ela.


Tudo começou com uma síndrome do pânico, quando ela se mudou de Atibaia (SP) para São Paulo, capital. “Tinha medo de morrer. Não dormia.”


O diagnóstico foi feito pelo psiquiatra da tia, de Pouso Alegre (MG). À época, ela recebeu a prescrição do Rivotril e do antidepressivo venlafaxina.


“Comecei com a dose de 125 mg [de venlafaxina] e hoje tomo 37,5 mg todos os dias. O psiquiatra já sugeriu que diminuíssemos a dose do Rivotril, mas não adianta”, conta.


“Não consigo dormir se eu não tomar 2 mg de Rivotril. Já entro em pânico só de pensar em ficar sem ele”, diz Mariana.


A dependência é tanta que, mesmo tomando o remédio só à noite, ela o carrega dentro da bolsa o tempo todo. “Não vivo sem o meu Rivotril. Já é uma dependência mais emocional do que física.”


Mariana passa por consulta com o psiquiatra uma vez por ano. Mas, a cada mês, o médico renova para ela as receitas dos remédios. Pelo Rivotril, ela paga R$ 8 a caixa com 30 comprimidos.

A ação do tranquilizante


ANSIEDADE
Estimula a ação de um ácido (conhecido como gaba) no cérebro, que inibe a ativação de áreas relacionadas ao medo e à ansiedade


SONO
Reforça os estágios do sono REM, que correspondem aos períodos de sonhos, mas reduz os estágios não REM. Essas fases são justamente as que restauram as atividades nos neurônios


INDICAÇÕES
Tratamento de vários transtornos mentais, como síndrome do pânico, distúrbio bipolar, depressão (usado como coadjuvante de antidepressivos). O remédio não é recomendado para aliviar tensões do cotidiano.


EFEITOS COLATERAIS
Sonolência, movimentos anormais dos olhos, movimentos involuntários dos membros, fraqueza muscular, fala mal articulada, tremor, vertigem, perda de equilíbrio, dificuldades no processo de aprendizagem e de memorização.


DEPENDÊNCIA
O tempo varia de pessoa para pessoa. Pode acontecer em um mês ou em um ano. Pacientes que tomam clonazepam não podem consumir álcool.