segunda-feira, 26 de julho de 2010

Suicídio: saindo da sombra em direção a um Plano Nacional de Prevenção

O suicídio representa um sério problema de saúde pública. Em termos globais, a mortalidade por suicídio aumentou 60% nos últimos 45 anos. Nesse período, os maiores coeficientes de suicídio mudaram da faixa mais idosa da população para as faixas mais jovens. Na maioria dos países, o suicídio situa-se entre as 10 causas mais freqüentes de morte e entre as duas ou três mais freqüentes em adolescentes e adultos jovens. De acordo com registros da Organização Mundial da Saúde, 900.000 pessoas cometeram suicídio em 2003. Isso representa uma morte a cada 35 segundos. Para cada óbito por suicídio, há no mínimo cinco ou seis pessoas próximas ao falecido cujas vidas são profundamente afetadas emocional, social e economicamente.1

O coeficiente de mortalidade por suicídio no Brasil é, em média, 4,5 por 100.000 habitantes ao longo de um ano, considerado relativamente baixo numa escala mundial. No entanto, em certas cidades e regiões, bem como em alguns grupos populacionais (como, por exemplo, o de jovens em grandes cidades, o de indígenas do Centro-Oeste e do Norte e entre lavradores do interior do Rio Grande do Sul), as cifras se aproximam ou superam a de países do leste europeu e da Escandinávia. Os coeficientes de suicídio têm aumentado em nosso país, notadamente entre jovens e adultos jovens do sexo masculino. Outra ponderação: como somos um país populoso, atingimos o nono lugar em número absoluto de suicídios. Os registros oficiais, que devem estar subdimensionados, indicam que houve no país 7.987 suicídios em 2004, o que representou 0,8% do total de óbitos naquele ano. Dentre os que se mataram, 55% tinham menos de 40 anos de idade. Nesse grupo, o suicídio respondeu por 3% do total de óbitos.1

Estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o de suicídios em pelo menos 10 vezes. O comportamento suicida exerce considerável impacto nos serviços de saúde e calcula-se que 1,4% da carga (burden) global ocasionada por doenças no ano 2002 deveu-se a tentativas de suicídio. Essa cifra deverá chegar aos 2,4% em 2020.1

O primeiro estudo de base populacional que fez um levantamento sobre a dimensão de idéias, planos e tentativas de suicídio em países em desenvolvimento foi organizado pela Organização Mundial da Saúde, tendo o Brasil como um dos países participantes. Segundo este estudo, na área urbana do município de Campinas, ao longo da vida, 17,1% das pessoas "pensaram seriamente em por fim à vida", 4,8% chegaram a elaborar um plano para tanto e 2,8% efetivamente tentaram o suicídio. As mesmas prevalências ao longo dos últimos 12 meses foram, respectivamente, 5,3%, 1,9% e 0,4%.2

Apesar de o suicídio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosófico-existenciais e ambientais, na quase totalidade dos casos um transtorno mental encontra-se presente. Uma revisão sistemática de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, englobando 15.629 suicídios na população geral, demonstrou que em 97% dos casos caberia um diagnóstico de transtorno mental na ocasião do ato fatal.3

Em nosso país, até há pouco tempo, o suicídio não era visto como um problema de saúde pública. Entre as causas externas de mortalidade, o suicídio encontrava-se na sombra dos elevados índices de homicídio e de acidentes com veículos, 7 e 5 vezes maiores, em média e respectivamente. No entanto, a necessidade de se discutir a violência, de modo geral, trouxe à tona o problema do suicídio.

Em final de 2005, o Ministério da Saúde montou um grupo de trabalho com a finalidade de elaborar um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, com representantes do governo, de entidades da sociedade civil e das universidades. Em 14 de agosto de 2006 foi publicada uma portaria com as diretrizes que deverão orientar tal plano.4 Dentre os principais objetivos a serem alcançados destacam-se:

1) Desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida e de prevenção de danos;

2) Informar e sensibilizar a sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido;

3) Fomentar e executar projetos estratégicos fundamentados em estudos de eficácia e qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções nos casos de tentativas de suicídio;

4) Promover a educação permanente dos profissionais de saúde da atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização.

Antes mesmo da finalização de um Plano Nacional de Prevenção de Suicídio, esperado para 2007, com destinação de verba orçamentária específica, o Ministério da Saúde já lançou um manual de prevenção de suicídio destinado a equipes de saúde mental e uma bibliografia comentada sobre comportamento suicida. Outra publicação destinada ao treinamento de equipes da rede básica de saúde estará disponível brevemente. São boas notícias, que tiram o suicídio da penumbra da negação e do tabu, para encará-lo como um problema de saúde pública.

Há, hoje, considerável informação a respeito do que, em vários países, já foi feito para a prevenção do suicídio, do que deu certo e do que não funcionou.5 Já temos evidências científicas disponíveis; agora é esperar o esforço final da área técnica do Ministério da Saúde, para fazer do Brasil o primeiro país da América Latina a elaborar e a executar ações de prevenção do comportamento suicida.



Neury José Botega
Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria,
Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Campinas (SP), Brasil

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