Ainda, há um movimento em direção ao isolamento individual que leva à tendência suicida, uma influência desintegradora da individualidade. O suicídio é uma das possibilidades humanas. A morte pode sim ser escolhida, aceita e participativa.
Apesar de todos os contrários a filosofia é, antes de mais nada, a busca da morte e do morrer, é o único absoluto na vida, a única certeza e verdade, o único a priori humano. Sêneca e Jung partilham a idéia que não está pronto para viver quem não está preparado para morrer.
Nem todo suicídio é evidente, um acidente pode ser um substituto do suicídio direto, assim como uma doença auto-imune.
Muitos pacientes podem aparecer com quadros que tendencionam o suicídio: marcas em seu pulso, câncer terminal seguido de dores e falta de perspectivas de não sofrer mais, acidentes, um “chamado ancestral” de histórico familiar de suicídio, luto, perdas...a lista é longa e, muito mais vezes do que se pensa, não há razão racional ou fenomenológica conhecida.
O suicídio rompe o contrato social, desestrutura o entorno do suicida, a única exceção é a insanidade. A lei nos determina viver, a teologia nos ordena viver. Assim o suicídio é uma anomia e também é antiteológico.
A medicina exige a preservação da vida do paciente de qualquer maneira, a análise é um compromisso com a alma, e é nela que se deve procurar a justificativa para o suicídio.
A primeira coisa que um paciente quer de um analista é torná-lo consciente de seu sofrimento e atraí-lo para seu mundo de experiência. O analista é sua testemunha, não está lá para aprovar, condenar, alterar ou prevenir.
Esta é a diferença gritante do médico para o analista, enquanto um está lá para impedir a morte determinantemente e a qualquer custo, o outro, o analista, está lá para compreender a visão da morte na alma. A psicologia se divide em dois aspectos frente a esse fenômeno: um busca compreender pelo lado de dentro, outra tenta explicar pelo lado de fora.
Hillman nos ensina que é preciso encarar o suicídio não apenas como uma saída da vida, mas como uma entrada na morte.
O analista precisa levar a conhecer o assassino interior, quem é essa sombra , e o que ela quer. O suicídio é sempre uma questão individual para o analista e não coletiva como o é para a sociologia e para outras correntes da psicologia. Daí Jung nunca ter se preocupado com classificações, psicodiagnósticos, patologias, a preocupação de Jung sempre foi a alma e essa é única, embora tenha em suas profundezas arquétipos com os quais se relacionar e se manifestar. “Toda análise defronta-se com a morte de uma forma ou de outra”.
“A alma sofre muitas experiências de morte; contudo, a vida física continua; e, quando a vida física chega a seu termo, a alma frequentemente produz imagens e experiências que demonstram continuidade. O processo de conscientização parece ser interminável. Para a psique, nem é a imortalidade um fato, nem é a morte um fim.”.
“A depressão restringe e nos concentra no essencial e o suicídio é a negação final da existência em favor da essência.”
Na perspectiva da psicologia analítica, mortal, finito, é o ego. A alma existe na esfera do atemporal e do aespacial. E é a alma que deseja experienciar o suicídio. O analista deve ter sempre presente em seu espírito que sua aliança não é com o corpo ou com a família do cliente, mas com a alma, ele não pode e não deve negligenciar esse desejo. “Toda vez que o tratamento negligencia diretamente a experiência, enquanto tal, e apressa-se em reduzi-la ou superá-la, algo está sendo feito contra a alma; porque a experiência é o alimento próprio e único da alma”.
É preciso buscar o sentido do suicídio na psique do suicida, é aí que se encontra o seu significado. Mesmo que ele esteja com uma doença grave, com uma decepção amorosa, ou tenha passado por uma perda irreparável, perdido seus bens materiais, a sua honra, ou o quer que seja, devemos entender que com um desses motivos, ou sem motivo algum, a morte pode ser escolhida, e só a alma conhece suas razões.
O ser humano necessita experienciar a morte para entender o mito do significado da própria vida. Essas experiências nos levam a enfrentar questões últimas da existência, é a nossa possibilidade de redenção e de comunhão com o absolutamente outro. A morte orgânica vinda de fora tira-nos essa experiência: “O impulso para a morte não precisa ser concebido como um movimento contrário à vida; pode ser uma exigência para um encontro com a realidade absoluta, uma exigência para uma vida mais completa através da experiência da morte”.
O que a alma busca através das tentativas suicidas é resignificar a vida.
Podemos justificar nossas ações quando essas dizem respeito ao impedimento da liberdade de outrem?
Somos dignos de julgar o suicídio quando estamos tão cegos e surdos à nossa própria alma, que não fazemos idéia do que busca aquele que aborta a própria existência?
Se podemos compreender que sua atitude é decorrência da esfera da alma, e não do orgânico ou do mental, temos meios e equilíbrio para ajudá-lo não negando ou recriminando mas levando-o à realização no campo simbólico?
E, principalmente, estou tão integrado à minha própria alma que posso acessar, através dela, e só dela, a alma do outro?
Na perspectiva da alma o suicídio é o alcance deliberado da plenitude da vida, é o encantamento da alma. Pode, também, em situação extrema, ser por total desencantamento do mundo e de si mesmo, em ambas circunstâncias é um ato de extrema coragem e solidão.
“Conhecer uma história de alma significa capturar emoções, fantasias e imagens, entrando no jogo e sonhando o mito junto com o paciente”.
“À medida que uma análise prossege, desloca-se interiormente da história de caso para a história da alma, isto é, explora os complexos mais por seus significados arquetípicos do que por sua história traumática.”
“Pelo fato de uma história de caso sempre encerrar-se com a morte, ela não pode contar a história inteira. É limitada pelo tempo. Não há seguimento. A alma, porém, parece ter elementos de premonição e transcendência. Para a alma, é como se a morte, e até a maneira e o momento de nela adentrar, fossem irrelevantes, como se isso fosse indiferente, quase como se absolutamente não houvesse morte para a história de alma”.
Ercilia Simone Dalvio Magaldi
Reflexões sobre a obra de James Hillman “Suicidio e Alma”, Jung e Émile Durkheim “O Suicídio”, Sêneca “Sobre a Brevidade da Vida”.
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